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sexta-feira, 28 de maio de 2010

O DOGMA NA FÉ CRISTÃ

O Dogma na Fé Cristã!




1. Introdução ao d]ogma.



A palavra d]ogma (dogma) tem o significado de lei, ordem, decisão e/ou decreto[1] e é exatamente com esses significados que o encontramos na vida da Igreja primitiva e que permeia o pensamento cristão até os dias atuais. Claro que essa é uma afirmação redundante, todavia ela se faz necessária para descrever seu papel na história eclesiástica e na história dos seres humanos.



A sua natureza e função surgiu pela necessidade do ser humano em buscar seu Novo Ser, ou seja, na sua análise do entendimento da sua condição existencial o ser humano buscou saber se havia uma forma de reverter ou superar seu estado existencial para uma nova realidade. Biblicamente encontramos um sentido pelo qual o ser humano interpela sua existência: Jesus Cristo. E é nesse ponto que o dogma entra em questão, pois é preciso criar argumentos sólidos na afirmação de que Cristo pode reverter à situação existencial dos seres humanos.



O problema é de ordem cristológico, pois ao voltarmos nossos olhos para a história, “de forma antecipatória, o problema cristológico apareceu nas expectativas proféticas e apocalípticas associadas ao Messias ou ao Filho do Homem”[2]. A elaboração cristológica se deu na necessidade dos evangelistas em atribuir símbolos a Jesus, “a quem chamaram de ‘Cristo’”[3] e dentre os símbolos atribuídos, a associação com a palavra Logos foi a mais discutida, pois ela fazia parte de um contexto filosófico no qual foi desenvolvido todo o processo dogmático da cristologia, pois “este perigo, sempre presente no cristianismo, foi uma das razões que levaram a igreja primitiva a interpretar os símbolos cristológicos segundo os termos conceituais que lhe foram proporcionados pela filosofia grega”[4].



Neste trabalho, buscaremos dentro de alguns tópicos, desenvolver o caminho traçado pelo dogma, do seu surgimento à sua função de fundamento da fé. O primeiro ponto a ser apresentado é o surgimento e a necessidade do dogma na história cristã. Neste ponto serão abordados os conflitos que a igreja cristã primitiva enfrentou contra os constantes ataques filosóficos gregos, perseguições por parte do imperialismo romano e os pensamentos errôneos elaborados a respeito da nova comunidade que surgia e sua pregação sobre o Cristo Ressurreto, onde a elaboração do dogma foi fundamental para a “sobrevivência” do cristianismo no mundo. O segundo ponto, e acredito ser o mais polêmico está na discussão sobre o dogma trinitário e suas implicações, cujo estudo ainda hoje traça grandes divergências a cerca da unicidade de Deus na pessoa de Pai, Filho e Espírito Santo. E o terceiro e último ponto explanaremos a respeito do dogma trinitário como o fundador da fé cristã, onde temos a iniciação pelo Batismo na confissão da ordenança de Jesus Cristo baseado no evangelho de Mateus 28:19.



2. O surgimento e a necessidade do d]ogma na história cristã.



Os primeiros séculos da era cristã mostram na história do cristianismo um processo contínuo de tradução das fontes hebraicas com o objetivo de oferecer ao mundo uma compreensão cada vez mais adequada de seu conteúdo.



Este processo se teria iniciado com os evangelistas, cujas interpretações doutrinárias se faziam conforme as categorias da Lei e os Profetas, dentro da tradição messiânica de Israel. A partir daí se daria o encontro da cultura clássica com o Cristianismo em proporções sempre mais amplas.



No século II A.D., a rápida expansão do Cristianismo, leva as elites intelectuais do mundo greco-romano, postas em contacto mais direto com a doutrina cristã, a lhe oporem uma primeira reação. Nesta época o Cristianismo, considerado a filosofia dos bárbaros, é severamente julgado pela mentalidade pagã com as categorias da cultura clássica como: canibalismo, ateísmo, subversão política, pelas quais os primeiros Pais da Igreja procuraram responder apologeticamente[5].



Entre os pensadores cristãos se percebe duas orientações opostas. Uma representada por Justino e Atenágoras, que procuram absorver a tradição grega na doutrina cristã, e a outra, de feições claramente anti-helênicas, defendida por Taciano e Tertuliano, que denunciam e condenam a helenização do cristianismo. Tertuliano, em particular, separa razão e fé, e repete a idéia de um paralelo entre cristianismo e helenismo em termos filosóficos[6].



No século III A.D. surge a necessidade de maior adaptação das interpretações dos evangelhos ao povo de fala grega, principalmente nas suas camadas mais altas. Aí, então, com os trabalhos de Clemente e Orígenes, falar-se numa teologia cristã. Esta tarefa de tradução cada vez mais eficiente da doutrina de Cristo, exposta agora também às camadas mais altas e mais cultas do meio pagão, exige da parte de seus defensores um trabalho cada vez mais elaborado, de homens eruditos e comportamento ascético. Constrói-se então uma interpretação da Bíblia em nível mais elevado, para satisfazer um público exigente, da razão mais crítica. Surgem então os primeiros passos para a elaboração dos dogmas e doutrinas cristãs[7].



Clemente de Alexandria e Orígenes procuram se servirem da especulação filosófica para sustentar uma religião positiva fundada na revelação divina, alheia, em suas origens a uma investigação humana independente acerca da verdade. Em outros termos, o processo de assimilação da tradição clássica pelo cristianismo pôde desenvolver-se com maior elasticidade a partir do momento em que, no meio cristão, homens intelectualmente formados na cultura grega passaram a reconhecer a capacidade religiosa da defesa da fé, atitude claramente assumida no século III por Clemente e Orígenes, que procurara mostrar como a fé hebraica podia ser exposta em termos do pensamento grego e justificada racionalmente[8].



Com estes precedentes, o encontro do helenismo com o cristianismo em nível erudito adquire em Clemente e Orígenes uma importância da mais alta significação, uma tentativa clara de fundamentação filosófica das verdades da fé. Esta se consubstancia nos seus mistérios, opostos aos da religião pagã, inteiramente falsa, mas que já a partir do século IV A.D. por oferecerem uma relação mais pessoal com a divindade, passaram a ocupar no coração do homem helenístico o vazio deixado pela fé olímpica. Desenvolve-se então todo um trabalho de exegese da doutrina cristã, voltado para a discussão da autentica natureza divina, daquilo que lhe é próprio e nesta tarefa de fixar e fundamentar os princípios vitais do Cristianismo, de superar-lhe o aparente caráter mitológico, não basta elevar Cristo à dignidade apenas de mestre da humanidade, mas é preciso também cuidar para que orientações espúrias como o gnosticismo, o maniqueísmo e o mitraísmo não venham a comprometer a universalidade do kerygma cristão. Trabalha-se então em várias frentes, mas o maior problema é enfrentar o ideal de cultura grega como um todo e neste confronto solidificar a liderança espiritual da doutrina cristã. Deste encontro histórico o resultado será uma teologia cristã que não pode ocultar sua dívida com a erudição clássica. Para esta tarefa, entram em cena os padres capadócios na segunda metade do século IV A.D.



Com a cultura dos padres capadócios, a sabedoria clássica, pela retórica ou pelo pensamento filosófico, se conjuga com a sabedoria da sinagoga e é neste contexto que se constrói uma verdadeira literatura cristã, muitas vezes livremente alimentada na tradição grega.



Embora os capadócios ataquem o helenismo em suas debilidades (atitude que em São Gregório de Nisa, além de reforçar a importância do dogma, de distanciar-se de uma interpretação intelectualista, ressalta o valor dos costumes veneráveis – liturgia e mistérios) há o interesse de se fazer do helenismo um instrumento da fé[9].



Entre estes pensadores, São Gregório de Nisa, mostra-se à altura das maiores exigências da filosofia pedagógica grega. A partir daqui, o padre capadócio desenvolve uma teoria dos graus do caminho místico da theognosis. Por trás da idéia de salvação individual coloca-se a de um plano mais amplo de apocatástasis, tomada a Orígenes, que leva a uma restauração final da obra divina originária.



Assim, através do estudo do humanismo cristão em suas origens, viu-se necessário a sistematização dos dogmas sobre as verdades da fé, dando-lhe uma fundamentação teórica a partir da mensagem ligada a figura de Cristo exercida no confronto entre o cristianismo e o helenismo.



3. O d]ogma trinitário e suas implicações.



Em continuidade aos acontecimentos do IV século, ainda referente aos capadócios, um significativo conceito escolástico foi aprovado e determinante no pensamento teológico a cerca do dogma da doutrina da Trindade. Orígenes elaborou duas concepções para designar o Ser de Deus, ou seja, sua essência presente em três pessoas distintas, porém perfeitas. Falamos das expressões ousia e hypostaseis[10].



Essas foram concepções usadas no Oriente para falar a cerca da unicidade na Trindade. Todavia, ao se referir sobre o mesmo assunto no Ocidente, essas expressões sofreram pequenas modificações, pois para designar o mesmo sentido sobre a unicidade da Trindade, no lugar de ousia foi colocado à expressão substantia, e no lugar de hypostaseis, a expressão personae[11].



Robert W. Jenson explica de forma inconfundível essas expressões da seguinte maneira:



“Tanto ousia quanto hypostasis entraram na teologia procedentes da tradição filosófica. Nela foram usadas quase intercambi-avelmente para designar o que é – conforme a apreensão helênica, aquilo que é pela possessão de algum complexo específico de características permanentes. Por conseguinte, são usadas também para designar o ‘ser’ assim possuído, isto é, tanto este complexo de características quanto a estabilidade ao longo do tempo que a possessão das mesmas confere”[12].



As pequenas nuancem existentes nestes termos é que hypostasis foi direcionado para o que difere um indivíduo de outro, ou seja, suas particularidades e ousia foi utilizada para designar o ser que constitui este indivíduo. Daí a análise que distingue – para os capadócios – Pai, Filho e Espírito, ou seja, “são três indivíduos que partilham da Divindade, como Pedro, Paulo e barnabé são três indivíduos que partilham da humanidade”[13].



Para explicar a questão das três hypostasis, os capadócios conceituaram da seguinte maneira: a relação da identificação das hypostasis é feita pelas suas características individuais e a relação que uma tem com a outra, ou seja, “Deus é o Pai como a fonte da Divindade do Filho e do Espírito; Deus é o Filho como o recipiente da Divindade do Pai; e Deus é Espírito como o espírito da possessão da Divindade do Pai pelo Filho”[14].



Dessa maneira ficam essencialmente claro que “as relações (...) são a obediência e dependência históricas de Jesus em relação a seu Pai e a entrada de seu futuro” na vida do cristão[15]. Vemos uma relação horizontal no qual se mostra no conteúdo desta relação à vida de Deus. Essa vida é identificada por termos bíblicos através da história temporal evangélica por “Gerando”, “gerado” e “procedente”, todavia esses termos criaram certo conflito após o concílio de Niceno, pois levantou questões de origem metafísica pelo fato dos termos “gerando” e “procedente” entrarem em conflito com o pensamento filosófico grego. Há então a necessidade, segundo Jenson, e para a progressão do desenvolvimento da compreensão trinitária a substituição de hypostasis por identidade. Consequentemente, essa expressão abre margem para a inserção de atributos, pois identidade identifica algo, assim:



“O fato de que há três identidades em Deus significa que há três conjuntos distintos de nomes e descrições e cada um é suficiente para especificar de modo único, mas todos identificam a mesma realidade (...) As três identificações podem, quanto ao mais, ser realizadas independentemente ”[16].



Poder-se-ia especular sobre a existência, portanto, de não um Deus, mas de três deuses? Para essa questão, retornamos à expressão sobre o Ser de Deus, ou ao termo ousia.



Se dissermos que “Deus” é infinito, somente uma “vida que não conhece limite” poderia identificá-lo. Dessa forma quando identificamos “Deus” como “aquele que ressuscitou a Jesus” automaticamente estamos falando não de um ser único, mas três[17]. Essa é a maneira então pelos quais três indivíduos compartilham da mesa ousia de Deus, não constituindo por tanto três deuses, pois a ousia se transforma em um predicado para a ação divina na relação trinitária em direção a nós[18].



Toda essa tentativa da explicação do dogma trinitário aconteceu porque a doutrina veio “pronta” do Oriente para o Ocidente, por essa razão, não houve uma construção, mas sim, uma tentativa de explicação do pensamento Oriental para a aplicação desse pensamento na Igreja Ocidental.



4. O d]ogma trinitário como o fundador da fé cristã.



No evangelho de Mateus, no verso 19 do capítulo 28 encontramos uma citação e ordenança de Jesus Cristo, que diz: “Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo”. Nesta frase, encontramos dois elementos muito importantes na comunidade primitiva que caracterizam o “início” da fé cristã: o batismo e a confissão trinitária.

O batismo significa a “incorporação na comunidade salvífica de Jesus Cristo; através dele Deus acrescenta novos membros à Igreja (...), a qual, por meio dele, cresce externa e visivelmente”[19]. O ato do batismo é uma forma visível de confissão de arrependimento, pelo qual, o ser humano através de sua fé em Cristo, professa diante dos homens o arrependimento dos seus pecados e sua conversão a uma nova vida, todavia para essa iniciação “em vista da função da autorização canônica dos sacramentos, a fixação bíblica de uma forma triúna para o Batismo deve ser considerada um dogma”[20]. A essa necessidade, Robert W. Jenson faz o seguinte acréscimo:

“A função da menção do nome de Deus na iniciação, no Batismo como em outras ocasiões, é de remeter o iniciando à nova realidade, de conceder um novo acesso a Deus. Por isso, na comunidade dos batizados, o nome divino pronunciado no Batismo é estabelecido como a forma particular da comunidade dirigir-se a Deus”[21].



Neste sentido, segue-se em decorrência do Batismo a pronunciação ou a invocação tripla de Deus.



João Calvino, se referindo ao mesmo dogma, produz o seguinte comentário a cerca da invocação triúna na fórmula batismal:



“Nem, de fato, resta duvida de que, ao dizer: ‘Batizai-vos em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo’ [Mt 28:19], Cristo haja, mediante esta solene injunção, desejado testificar que a perfeita luz da fé já [então] se manifestara, por isso que, na realidade, equivale isto exatamente a serem batizados em nome de um só e único Deus, que, em plena evidência, Se mostrou no Pai, no Filho e no Espírito. De onde se faz meridianamente claro que na essência de Deus residem três pessoas, nas quais, um único Deus se conhece”[22]



Essa fórmula batismal foi tão importante e predominante, que a ordenança de Jesus para batizar “em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo” deve ser considerado “o dogma fundador da fé” cristã[23].



5. Conclusão.



Dentro do estudo pelo qual desenvolvemos neste trabalho, pudemos ter uma rápida identificação do dogma na fé cristã. Há muitos outros assuntos que poderiam ter sido abordados aqui, todavia fica claro que foi de extrema importância à necessidade do dogma para a sobrevivência e para o exercício da fé na tentativa de buscar o caminho do encontro do ser humano com seu Novo Ser, como foi dito na introdução deste trabalho.



É fato que, todo o trabalho da dogmática na exploração de conceitos doutrinários, assim, “se estes conceitos são ou não adequados para a interpretação da mensagem cristã, segue sendo uma pergunta permanente na teologia”[24]. Conceitos como os da doutrina da Trindade, ainda estão abertos, pois “não é possível nem descartá-la, nem aceitá-la em sua forma tradicional. Ela deve permanecer aberta para que cumpra a sua função original – expressar em símbolos abrangentes a automanifestação da Vida Divina ao ser humano”[25].



Dessa forma, nos encontramos ainda hoje com a responsabilidade de nos esforçarmos para uma futura contribuição no desenvolvimento destes conceitos que ainda buscam de alguma forma, respostas ao mundo moderno.







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[1] RUSCONI,Carlo. Dicionário do Grego do Novo Testamento, p. 135.

[2] TILLICH, Paul. Teologia Sistemática, p. 426.

[3] TILLICH, Paul. Teologia Sistemática, p. 426.

[4] TILLICH, Paul. Teologia Sistemática, p. 426.

[5] GONZALES, Justo L. Uma História Ilustrada do Cristianismo. A Era dos Mártires, p.80-86.

[6] GONZALES, Justo L. Uma História Ilustrada do Cristianismo. A Era dos Mártires, p.86-94.

[7] GONZALES, Justo L. Uma História Ilustrada do Cristianismo. A Era dos Mártires, p.109-132.

[8] Ibid.

[9] GONZALES, Justo L. Uma História Ilustrada do Cristianismo. A Era dos Gigantes, p.133.

[10] BRAATEN, Carl E; JENSON, Robert W. Dogmática Cristã. Vol.1, p. 149.

[11] BRAATEN, Carl E; JENSON, Robert W. Dogmática Cristã. Vol.1, p. 150.

[12] Ibid.

[13] Ibid.

[14] BRAATEN, Carl E; JENSON, Robert W. Dogmática Cristã. Vol.1, p. 151.

[15] BRAATEN, Carl E; JENSON, Robert W. Dogmática Cristã. Vol.1, p. 152.

[16] BRAATEN, Carl E; JENSON, Robert W. Dogmática Cristã. Vol.1, p. 153.

[17] BRAATEN, Carl E; JENSON, Robert W. Dogmática Cristã. Vol.1, p. 154.

[18] BRAATEN, Carl E; JENSON, Robert W. Dogmática Cristã. Vol.1, p. 155.

[19] BAUER, Johannes B. Dicionário de Teologia Bíblica, p. 116.

[20] BRAATEN, Carl E; JENSON, Robert W. Dogmática Cristã. Vol.1, p. 112.

[21] BRAATEN, Carl E; JENSON, Robert W. Dogmática Cristã. Vol.1, p. 112.

[22] CALVINO, João. As Institutas ou Tratado da Religião Cristã. Vol 1, p. 156-157.

[23] BRAATEN, Carl E; JENSON, Robert W. Dogmática Cristã. Vol.1, p. 113.

[24] TILLICH, Paul. Teologia Sistemática, p. 426.

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